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Liturgias partidárias

 

2013 representará para os portugueses um ano horrível devido à desmesurada carga fiscal.

Má sina para um ano que ainda há dias desejávamos a familiares e  amigos: “bom, próspero e feliz!” - palavras que, por isso, carecem de sentido.

O povo, na sua sabedoria, há muito percebeu a insensatez da oratória dos agentes político-partidários que se fazem rodear de uma auréola de seriedade e sabedoria que não se casa com o cumprimento de promessas eleitorais.

De um extremo ao outro do leque político, as reuniões magnas dos partidos têm todas o mesmo figorino: são liturgias solenes, muito concorridas, em que os fiéis cumprem o fervoroso dever de aplaudir as prédicas dos arautos da linha doutrinária vencedora, sem questionar a justeza e bondade das respostas aos problemas do cidadão-comum e da sociedade em geral.

Aos olhos do observador anónimo que vive no dia-a-dia do seu trabalho na terra, no mar, no comércio ou nos serviços, desempregado ou reformado, essas reuniões não discutem os problemas concretos das pessoas, nem apresentam propostas para a sua resolução. São, sobretudo, momentos que fortalecem o “amor clubístico”, a causa do partido, o grupo político.

Habitualmente, não se confrontam soluções, nem se altera as linhas de orientação programática. Essas foram pensadas após restrita auscultação interna, não sem antes serem confrontadas com propostas da oposição para serem apresentadas à opinião pública como inovadoras. Por isso é que os eleitores, dificilmente, se revêem nos manifestos eleitorais. Por isso é que os cidadãos não consideram os deputados e políticos eleitos, como seus verdadeiros representantes. Antes os acusam, por vezes injustamente, de se servirem dos cargos que ocupam em benefício próprio.

Nada pior para o regime democrático que estas suspeições que, todavia, não o colocam em causa. Como diria Winston Churchill: Ninguém pretende que a democracia seja perfeita ou sem defeito. Tem-se dito que a democracia é a pior forma de governo, salvo todas as demais formas que têm sido experimentadas de tempos em tempos.”

Se uma democracia perfeita é impossível, arranje-se a melhor que se puder e vá-se melhorando-a sempre que possível e conforme as circunstâncias.” 1).

Este é o desafio que se exige aos agentes políticos. Neste tempo de muitas dificuldades e de urgente reflexão sobre as futuras actividades sócio-económicas, é fundamental um conhecimento profundo e um exame sério sobre as causas que estão na génese da crise que estamos a viver. Não só para que não se repita, mas sobretudo para que encontremos melhores e inovadoras soluções.

O estafado e confragedor discurso político reduziu as suas preocupações económicas à cartilha do merceeiro – do deve e haver - e não ultrapassa este estereótipo.

No princípio do milénio, quando deveríamos estar a perspetivar o futuro da União Europa e das suas Regiões face a países emergentes como a China, a Índia e o Brasil, em questões tão sensíveis como o ambiente, a agricultura, o mar e os oceânos, factores de progresso e de paz, cingimo-nos a visões conjunturais, de mérito duvidoso. Estas questões, incompreensivelmente, não entram na agenda dos congressos partidários.

Aqui deixo alguns temas:

Por que motivo a agricultura açoriana, dada a sua pequena dimensão, não opta pela vertente ecológica da produção leiteira, pecuária, frutícola e hortícola solicitando para o efeito apoios substanciais da União Europeia?

Não se percebeu que a fileira do leite e da carne, em regime  intensivo, terá os dias contados devido à forte concorrência de países terceiros?

No âmbito da construção civil, por que não se opta pela recuperação do parque urbano das freguesias, vilas e cidades, recorrendo quanto antes à formação profissional dos desempregados desse sector?

No sector do comércio, assiste-se a uma deterioração do tecido empresarial, fruto do baixo poder de compra. O novo comércio tem de optar por novos produtos e pelo crescente turismo de cruzeiros potenciando a nossa identidade e cultura. É cada vez maior a procura do turismo de natureza que pouco tem a ver com o tradicional. Se lhe juntarmos o segmento da saúde, muito procurado pela faixa etária mais envelhecida da população europeia, teremos novas perspetivas de negócios e lugar para empregos mais qualificados.

Isto sem esquecer a prestação de cuidados diferenciados à população do arquipélago, viva ela no Corvo ou em S.ta Maria, no Pico ou em São Miguel.

Reduzir os cuidados médicos será um retrocesso imperdoável, cujos efeitos se repercutirão negativamente nas pessoas e nas ilhas mais carenciadas.

Se os investimentos em áreas como o ambiente, a saúde, a educação e o desenvolvimento humano forem considerados não como investimentos reprodutivos mas só como despesas, é sinal de que preferimos a poluição, a doença, o desemprego e a ignorância como opções de vida.

Avançar para novos desafios e encontrar novas soluções que envolvam o homem todo e todos os homens pode ser utopia, mas é a condição do progresso.

O cidadão-comum espera que as forças e agentes políticos integrem estas questões nas suas assembleias, para que elas não sirvam, apenas, para entronização de chefias e aclamação de lideranças eventuais.


1). Onésimo Almeida, João M.Brás in Utopias em dói menor, 2012

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